Falha técnica na Fiocruz atrasou processamento de lotes da vacina de Oxford e emperrou calendário de vacinação

RIO — O atraso na entrega de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca envasadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se deve a uma falha técnica dentro dos laboratórios do instituto, afirmam duas fontes internas ao GLOBO. Uma máquina reservada para o processamento do produto teve desempenho aquém dos parâmetros exigidos. Pelo calendário da Fundação, seriam distribuídos 2.8 milhões de doses este mês.

Com esse atraso, a Fiocruz, que no ano passado assinou contrato com o laboratório anglo-sueco e a universidade britânica para a produção do imunizante no Brasil, não deve entregar as doses ao Plano Nacional de Imunização (PNI) nas datas inicialmente previstas, atrasando ainda mais a vacinação do grupo prioritário no país, principalmente idosos e profissionais da saúde. O contrato com a AstraZeneca/Oxford foi o investimento em vacinas prioritário do governo federal no combate à pandemia, por meio da fundação subordinada ao Ministério da Saúde.

No dia 6 de fevereiro, Bio-Manguinhos recebeu, com atraso de mais de um mês devido a problemas com a liberação do produto na China, o primeiro dos lotes do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da vacina. Esse primeiro lote continha 90 litros do IFA. De acordo com a fundação, a quantidade seria insuficiente para a produção das 7,5 milhões de doses previstas inicialmente, para as quais seriam necessários 225 litros. Com os 90 litros, seria possível, no entanto, produzir 2,8 milhões de doses para serem distribuídos neste mês, garantindo a entrega dos lotes de validação à Anvisa, o que deveria ter sido feito no dia 18 de fevereiro.

O Instituto de Biotecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), unidade responsável pela produção de vacinas e biofármacos da Fiocruz, acumula, no entanto, 18 dias de atraso na entrega à Anvisa de lotes para a validação do envase do imunizante britânico. De acordo com o calendário divulgado pelo instituto, os lotes deveriam ter sido encaminhados à Anvisa no dia 18 de fevereiro, mas a agência informou que, até sexta-feira passada, não havia recebido o previsto de Bio-Manguinhos. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Fiocruz não respondeu aos pedidos de detalhamento da falha técnica.

No cronograma de vacinação apresentado pelo Ministério da Saúde no sábado, o governo federal prevê distribuir 3,8 milhões da vacina da AstraZeneca/Oxford, previstas para a segunda quinzena do mês, provenientes do primeiro lote produzido no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com matéria-prima importada da China.

Reportagem do GLOBO mostrou que o país contratou até agora doses que seriam suficientes para imunizar somente 65% da população e que se o ritmo lento da vacinação persistir, somente em abril de 2022 seria atingido o índice de 70% da população vacinada, considerado um limiar mínimo para garantir a imunidade de rebanho contra o vírus.

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, tratará do problema técnico da instituição em reunião nesta segunda-feira, às 10 horas, com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), representando o Fórum Nacional dos Governadores, e outros integrantes do Ministério da Saúde. A comitiva fará uma visita à linha de produção da vacina Oxford/AstraZeneca em Bio-Manguinhos. Ela sustentará que o problema já teria sido sanado e deverá informar quando a Anvisa receberá os lotes para validação.

Anvisa confirma que não recebeu lotes para validação, etapa obrigatória

A cargo da Anvisa, a validação de lotes é etapa obrigatória para que Bio-Manguinhos seja liberada a processar e distribuir a vacina contra a Covid-19. A validação, segundo explicou o próprio instituto, fixa critérios de qualidade, limites de perda, rejeição e não-conformidade de frascos, com o objetivo de garantir a eficácia e a segurança do produto.

Já o processamento compreende as operações de formulação, envase, rotulagem e embalagem, deixando a vacina pronta para ser oferecida à população. Em notas públicas divulgadas recentemente, Bio-Manguinhos informou que já teria produzido dois lotes de pré-validação da vacina, com “bom rendimento” interno, e que pretendia produzir em seguida outros três lotes de validação destinados à Anvisa.

Consultada, a Anvisa informou na última sexta-feira que “essa exigência faz parte do pedido de registro da vacina de Oxford, solicitado pela AstraZeneca e Fiocruz” e que ainda “não foi encaminhado nenhum dado adicional até o momento. O processo continuará em exigência até que os dados exigidos sejam encaminhados”.

No dia 27 de fevereiro, a Fiocruz recebeu uma quantidade de IFA suficiente para a produção de mais 12,2 milhões de doses de vacina, mas segue sem entregar o imunizante para a validação na agência reguladora. Como forma de compensação, a instituição negociou o envio de 2 milhões de doses prontas da vacina para o Brasil, do Instituto Serum, da Índia, o que foi feito em janeiro. Foram prometidos mais 10 milhões de doses do mesmo instituto, mas até agora somente outros 2 milhões de doses chegaram ao país.

Se tivesse sido cumprido o cronograma inicial, as doses da vacina produzida pela Fiocruz poderiam ter imunizado 7,5 milhões de brasileiros do grupo prioritário entre fevereiro e março. A Fiocruz continua afirmando que, até junho, entregará 100,4 milhões de doses da vacina feitas com o IFA importado, e que, de agosto a dezembro, entregará 110 milhões de doses produzidas com o IFA nacional. O contrato específico para a transferência de tecnologia que permitirá a fabricação do IFA no Brasil deveria ter sido assinado 90 dia após o contrato de encomenda tecnológica, celebrado em 8 de setembro de 2020. Porém, até agora isso não ocorreu.

Vacina mobilizou linhas de produção de outros produtos

Para envasar o insumo da vacina fornecido pela AstraZeneca/Oxford, Bio-Manguinhos mobilizou duas linhas de produção que operavam outros produtos. A primeira era antes usada na produção da vacina da febre amarela. Já a segunda era destinada ao fármaco Eritropoietina. De acordo com a instituição, as instalações e equipamentos da vacina da AstraZeneca/Oxford já faziam parte do parque fabril do Instituto e “não houve necessidade de grandes ajustes, pois tanto a infraestrutura quanto os equipamentos eram utilizados para a produção de outros imunobiológicos já fornecidos ao SUS em seu Centro de Processamento Final, localizado no Complexo Tecnológico de Vacinas (CTV)”.

A Eritropoietina é indicada no tratamento de anemia associada à insuficiência renal crônica, em pacientes em diálise ou em fase pré-diálise. Em nota, Bio-Manguinhos informou que, com o início da produção de vacina para a Covid-19, não haverá impacto na linha de produção deste fármaco.

No caso da linha desativada da vacina contra a febre amarela, a medida interromperá a pretensão da Fiocruz de exportar o produto. Entre 2017 e 2018, o Brasil já havia suspendido a venda da vacina para o exterior, pois foi obrigado a voltar toda sua produção à população brasileira, que passava por surto da doença. Maior produtor de vacina de febre amarela no mundo, o país voltou a vender para fora em 2019.

Fonte: Globo.com

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