Dia da Mulher: 8 de março começou com protesto de trabalhadoras russas
O Dia Internacional da Mulher é celebrado de diferentes maneiras mundo afora. Em alguns países é feriado nacional, como na França, Rússia e Nepal. No Brasil, o apelo comercial para a entrega de flores e chocolates divide espaço com marchas e protestos organizados por movimentos sociais. São diferentes mobilizações que buscam chamar atenção do público para a necessidade de igualdade de gênero. Hoje, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o salário das mulheres que vivem no país ainda é o equivalente a 77% do que é pago aos homens. Além disso, apenas 34% cargos de gerência são ocupados por mulheres, mesmo com esse público apresentando mais anos de estudo. Reduzir essa disparidade social e econômica faz parte do mote da Organização das Nações Unidas (ONU) para os eventos da entidade que celebram a data globalmente neste ano. O tema “Igualdade de gênero hoje para um amanhã sustentável” busca evidenciar a contribuição de meninas e mulheres do mundo todo para o desenvolvimento e equilíbrio da sociedade. Essa reivindicação por igualdade aproxima o Dia Internacional das Mulheres da sua origem? Como essa data surgiu e por que é importante? Ecoa ouviu especialistas para responder essas e outras questões sobre o assunto.
Quais as raízes históricas do Dia Internacional da Mulher?
Embora seja popularmente associada à morte de trabalhadoras durante um incêndio em uma tecelagem nos Estados Unidos, em 1911, a escolha do dia 8 de março para essa data global se deve a acontecimentos em território russo.
Conforme a professora Cristina Scheibe Wolff, pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a proposta de uma data que simbolizasse a luta pela igualdade das mulheres partiu da socialista alemã Clara Zetkin, durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas. O evento foi realizado em 1910, em Copenhagen, na Dinamarca. “Clara, até então, não tinha falado em uma data específica. Ela fez a proposta e isso foi aceito no Congresso”, conta Cristina.
Na época, as jornadas nas fábricas alcançavam 14 horas por dia, incluindo domingos, e envolviam, além dos homens, mulheres e crianças. “Muitas mulheres tinham jornadas penosas e era comum que houvesse reivindicações por melhores condições de trabalho, além do direito ao voto”, pontua pesquisadora. Esse cenário de exploração levou a manifestações em diversas partes do mundo. Contudo, o evento considerado o verdadeiro marco da data foi uma paralisação liderada por tecelãs russas, com apoio de metalúrgicos, em São Petersburgo. O protesto aconteceu em 8 de março de 1917 e teria sido o estopim da Revolução Russa.
E qual a relação do famoso incêndio com a data?
De fato, acrescenta Cristina, houve mesmo um incêndio que vitimou 125 mulheres, com idade entre 13 e 23 anos, na Triangle Shirtwaist Company, em Nova York, em 1911. No entanto, isso ocorreu dentro do contexto de mobilizações protagonizadas pelas operárias, não sendo considerado o fato que desencadeou a criação do Dia Internacional da Mulher. “E isso também não ocorreu em 8 de março, mas no dia 25 de março”, reforça a professora.
Foi apenas em 1975 que o Dia Internacional da Mulher foi adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU). A data é considerada pelo movimento feminista como um dia de luta por direitos.
A professora Cristina avalia que o Dia Internacional da Mulher é importante porque possibilita trabalhar a temática na educação e reunir novamente mulheres para se mobilizarem enquanto sujeitos políticos. Ela destaca que ainda há muito o que se conquistar. “O Brasil ainda é um dos países que tem menos mulheres na política. Além disso, temos uma violência contra a mulher muito forte, o número de feminicídios vem aumentando, e ainda temos a questão dos direitos reprodutivos para avançar”, cita.
“É preciso não ignorar esse contexto. O 8 de março é anterior ao momento que consideramos de ascensão da mulher ao mercado de trabalho, que vem da nossa cultura de feminismo liberal, gestado pela classe média. As mulheres de classes mais baixas sempre trabalharam e estiveram submetidas a diversos tipos de violência. A data vem para marcar esse fenômeno absolutamente naturalizado de opressão e exploração de classe”, pontua.
A exploração comercial da data compromete o sentido original? Compreender o Dia das Mulheres apenas como um dia de homenagens, com a venda de flores e cartões, leva a um esvaziamento de sentido e história, analisa a professora Cristina Scheibe Wolff. Ela observa que esse tipo de associação começou por volta dos anos 1990 e segue até hoje. “Não tenho nada contra que se ofereçam rosas, mas poderiam usar outras palavras no 8 de março. As rosas poderiam ser acompanhadas de palavras que enfatizassem a luta dos direitos das mulheres, da importância de vê-las enquanto cidadãs”, diz.
Como avançar para erradicar a desigualdade de gênero que atinge as mulheres?
A solução para a desigualdade de gênero não pode ficar restrita às leis, assinala a pesquisadora do IEG. É preciso que essa seja uma construção articulada com diversos atores, como a imprensa, igrejas e, sobretudo, escolas. “A partir da escola, podemos trabalhar os direitos das mulheres e a importância da igualdade — não só para meninas, mas meninos também. A forma como eles são educados também leva à opressão”, comenta.
Letícia Kreuz pondera que as mulheres avançaram muito enquanto sujeito de direitos, que desempenha funções sociais que vão além da reprodução e cuidado do lar. Um exemplo de conquista recente, destaca, é o voto em candidatas ter passado a valer o dobro para efeitos de distribuição do Fundo Eleitoral. Nesse contexto, ela acredita que o desafio para vencer a desigualdade de gênero passa mais pela atuação na coletividade e menos na perspectiva individualista da mulher.
A presidente do Instituto Política por/de/sobre Mulheres defende que, com o olhar voltado para coletivo, quem ingressar no campo político poderá produzir políticas públicas capazes de atender mulheres de diferentes classes sociais. “O desafio é pensar nosso papel, enquanto mulheres feministas, de fortalecer as potencialidades que enxergamos, mas a partir do coletivo. Sem uma reflexão sobre qual o nosso papel dentro disso, não há retorno ou expansão para o futuro”, complementa.
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